Powered By Blogger

quarta-feira, 16 de março de 2016

Porque um parto não é só um parto

(post originalmente publicado no blog Mamíferas, em janeiro de 2012)
http://www.fotomamifera.com.br/
"Já perdi a conta de quantas vezes ouvi: “Mas por que dar tanta importância ao parto, é só um momento, a relação com um filho é muito mais do que a via de nascimento!”, “A forma como o bebê nasce é só um detalhe!”. Uma amiga, mãe de filho pequeno, me disse uma vez: “você tem que entender que não é para todas as mães que o parto é um rito de passagem como pra você – para algumas, ele é um mero degrau para ter o filho nos braços”.
Na época, lembro que rechacei este raciocínio com veemência. Hoje, já consigo pensa-lo com mais isenção, tentando olhar as coisas com outros olhos e compreender que, quanto às experiências da vida, não existem parâmetros absolutos: o que para uns é oportunidade de amadurecimento e transformação, para outros é só mais um passo – e vice-versa.
Para mim, um parto não é apenas um parto. É uma transformação – ou pode ser. É – ou pode ser – uma daquelas experiências depois das quais nada mais volta a ser o que era antes, e para tudo é preciso encontrar novos lugares, novas formas de fazer, novos valores, novos caminhos. Comigo, foi assim. Nos dois partos: o primeiro, em que muita coisa saiu bem diferente do que eu sonhei e planejei, e o segundo, um parto ‘de sonho’, daqueles que a gente quer viver de novo, e de novo, e de novo.
É claro que eu não acredito, nem vou defender aqui a ideia de que a forma como um bebê nasce será absolutamente determinante para a relação mãe/filho, nem que nascer de cesárea, de parto normal ou natural, hospitalar ou domiciliar, pelas mãos de obstetra ou parteira, formará definitivamente o caráter dessa criança no futuro. Óbvio que não. Como dizia o escritor, há muito mais entre o céu e a terra do que julga a nossa vã filosofia – e embora eu acredite, sim, que a maneira como nascemos nos marca para a vida inteira, jamais estabeleceria aqui uma relação simplista de causa e efeito do tipo parto respeitoso = criança (e mais tarde, adulto) feliz. Somos mais complexos do que isso e nossa vida se tece na soma de muitas experiências ao longo do tempo, disso eu sei bem.
Mas em uma coisa eu acredito, e a esta ideia me apego para dar importância ao parto e às escolhas que determinam como ele há de acontecer: para mim, o parto é nosso primeiro passo nesta intensa caminhada que é a maternidade. Ao parir um filho, temos todo um futuro pela frente, como mães. O parto é apenas o começo, mas todo começo é importante – começar com o pé esquerdo, de maneira torta ou equivocada não significa fracasso eminente e inevitável, mas é sempre melhor começar de uma maneira atenta e presente, com o pé direito, não é mesmo?
Para mim, as escolhas que fazemos (ou as que, consciente ou inconscientemente, aceitamos não fazer) em relação a como parir nossos filhos são a primeira grande oportunidade para exercitar atitudes que serão extremamente importantes para que possamos exercer com consciência e maturidade nosso papel de mães: escolher como parir nos dá a oportunidade de assumir responsabilidades, de amadurecer e pensar por si, de tomar decisões informadas e conscientes, de não deixar que outros decidam por nós, de aceitar a falta de controle e o desconhecido, de escolher os caminhos mais corretos e não os mais fáceis. O longo caminho que temos que percorrer para parir como desejamos nos obriga a abandonar de uma vez por todas o papel da boa menina, aquela que acata o que lhe dizem e faz sempre o que esperam que faça, ainda que não queira, não concorde ou nem ao menos tenha parado para pensar a respeito; para parir de maneira ativa e consciente, é preciso que nos tornemos mulheres adultas e responsáveis, senhoras da própria história, que fazem o que entendem como correto sem pedir autorização, sem dar satisfações a quem quer que seja. Ter um parto ativo (aquele em que a mulher é senhora de suas escolhas, sejam elas quais forem) é libertar-se.
Por isso para mim o parto é importante e não mero detalhe: porque a forma como lidamos com esta experiência, a forma como batalhamos pelo que queremos e acreditamos ou deixamos que passem por cima de nossos desejos e prioridades, e sobretudo a forma como escolhemos adquirir consciência sobre o parto vivenciado, esta sim será determinante para o tipo de mãe que seremos para nossos filhos e, como óbvia consequência, para o tipo de pessoas que eles virão a ser.
No parto, além de nascer um bebê, nasce uma mãe, e isto é muito simbólico: no momento em que trazemos nossos filhos ao mundo, parimos também – ou ao menos, podemos parir – uma nova consciência, novas atitudes diante da vida, um olhar inteiramente novo para si, para os outros, e para tudo o que nos cerca. E isso não significa que apenas um parto natural sob a jaqueira fará de você uma mãe consciente e empoderada, mas que a forma como você decide olhar para esta experiência, seja lá qual ela tenha sido, terá muito a dizer a respeito da mãe que você há de ser.
Um parto, para mim, não é só um parto – é toda uma revolução. E para você?"

Nenhum comentário:

Postar um comentário